O que um cidadão urbano aprendeu ao conhecer o campo

 

Ao morarmos em centros urbanos, será que conhecemos o verdadeiro campo e o agronegócio brasileiro?

Sou aquele cidadão tipicamente urbano. Nasci, cresci e sempre vivi em centros urbanos, o que me confere assim como outros muitos milhões de brasileiros, uma característica de sempre acordar com sons, aromas e rodeado de cimento, asfalto. Longe da terra, do verde, dos sons e aromas típicos das áreas rurais.

Essa situação particular, para todos que como eu nasceram e vivem morando em centros urbanos, faz com que o conhecimento do campo ou do agronegócio aconteça por informações provenientes de fontes variadas, que nem sempre refletem a verdade e, em sua grande maioria refletem exceções e não a realidade que conheci.

Essa distância só e é ainda mais distante para as novas gerações.

Representamos, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios de 2015, 84,7% dos brasileiros e os restantes 15,28% vivem nas áreas rurais. Outro dado que é natural devido ao sentido do fluxo, pessoas que nascem no campo tem mais condições de conhecer as cidades que ao inverso.

Até aqui creio que não há grandes novidades, mas reforça que nós cidadãos urbanos não conhecemos o campo e é muito importante que conheçamos o que chamo de “verdadeiro campo”.

Portanto caro leitor, todo cuidado é pouco quando definir seu veículo de informação sobre o campo. Sem entrar no mérito desse complexo domínio da informação, estar alerta não lhe fará nenhum mal.

O campo representa uma imensa área e onde coexistem diferentes atores. Portanto qualquer generalização de atos, incidentes, problemas etc. relacionados ao campo, recomendo que verifique do que especificamente se trata.

É totalmente errôneo afirmarmos que o campo ou o agronegócio é responsável pelo desmatamento, perda da biodiversidade, trabalho escravo etc.

A falta de identificação do setor ou mesmo do agente individual, coloca todo o setor como culpado de algo que somente uma pequena fração é realmente responsável.

Mal comparando, seria o mesmo que dizer que todos nós que moramos nas cidades somos marginais.

Portanto não coloquemos numa mesma bolsa, tudo o que ocorre nessa área.

O QUE MUDOU E ME FEZ VER O CAMPO DE FORMA DIFERENTE?

Por questões de trabalho, tive a felicidade e honra de conhecer territórios que jamais pensei que ia conhecer, pisar terras que meus pés jamais saberiam que existiam.

Dessa forma, como sei que milhões de cidadãos urbanos não tem essa oportunidade, passei a me sentir responsável por informar o que vivenciei no campo, esse ente desconhecido da grande maioria dos brasileiros.

Dizer que não conhecia o campo soa como não vivesse no planeta Terra, porque desde muito cedo como carioca da Tijuca, passava férias na cidade serrana de Teresópolis. Então, se não me teletransportava para lá, pela janela do ônibus ou carro avistava o campo, mas não tinha contato com ele.

Podemos dizer que conhecemos o campo como expectadores, mas não conhecemos o que passa por lá.

Por incrível que pareça, somente após os 50 anos tive chance de conhecer com mais profundidade uma parte do que chamamos campo e fiquei extremamente impactado e de forma muito positiva.

O impacto positivo somente foi possível graças aos mestres que encontrei no caminho e que de alguma forma quero prestar um reconhecimento e tributo nesse e nos próximos artigos.

Minha história com o campo começa no ano de 2014 e como integrante da equipe diretiva de uma grande empresa latino-americana, representante de uma das mais valiosas marcas do mundo, temos o desafio de abastecer de carne sustentável, alguns dos restaurantes da rede durante as Olimpíadas de 2016 na cidade do Rio de Janeiro.

Nesse ano, foi realizado o anúncio global desse fornecimento, mas ao mesmo tempo, também foi informado que ainda não tínhamos o produto desenvolvido e que necessitaríamos de toda a cadeia de abastecimento para lográ-lo.

Para quem já tinha deixado o hábito de consumir carnes vermelhas, por opção de dieta e nada vinculado a ser vegetariano ou ativista climático, o objetivo soava bem interessante e desafiador ao mesmo.

Unir as palavras carne e sustentável, se ainda hoje soa complexo para muitos imaginem em 2014.

Seja no passado como no presente, infelizmente quando falamos no exterior da produção de carne no Brasil, automaticamente o tema desmatamento vem à toa. Logo os termos carne e desmatamento são como se fossem parte do mesmo vocábulo, tal a quantidade de informações que associam as duas palavras pelo fato que comentei anteriormente de colocarem na mesma bolsa qualquer desmatamento no Brasil como sendo responsabilidade da cadeia de produção bovina. Se no passado foi uma realidade, no presente e já em 2014 era bem diferente.

Mas a preocupação externa era muito importante e tínhamos o desafio de prover de carne sustentável a Olimpíada de 2016 assim como garantir para a liderança global da empresa que nada passaria de errado e que pudesse colocar a 9ª marca mais valiosa do mundo em risco.

Contando com uma equipe que aliava alto conhecimento técnico e vontade de cumprir desafios, surge um dos especialistas em Supply Chain e Sistemas de Qualidade que assume a tarefa de liderar o plano de ação que seria o responsável por armar um plano de ação detalhado em suas centenas de linhas e que possibilitou um primeiro sinal de aprovação dos responsáveis globais. Sem ter o Gustavo Faria a frente, não teríamos a chance que tivemos. A história de muitos capítulos estava apenas começando.

Precisávamos ter carne sustentável e para isso necessitávamos entender o que era e garantir sua produção e quantidades acordes as necessidades.

Um dos primeiros mestres que tive para entender a tal de carne sustentável foi o querido Laurent Micol, um francês que já vivia no Brasil há muitos anos. Não esqueço de nossa primeira reunião em uma pequena sala da matriz da empresa em São Paulo e quando ele comenta sobre o Programa Novo Campo que teve a oportunidade de fazer parte quando estava no Instituto Centro e Vida(ICV).

O Programa era quase que autoexplicativo, mas de tão bom era difícil acreditar que era possível.

Esse primeiro contato me fez ver que sim era possível produzir carne sustentável e de forma bem diferente do que se pensa, seja no Brasil ou no mundo.

O Programa Novo Campo chega a empresa na época, pelas mãos da Daniela Teston que trabalhava no nosso fornecedor de hambúrgueres e tinha a missão de apoiá-los e dar escala comercial.  Não fosse ela e sua perseverança em convencer-nos a visitá-los, a história poderia não ter tido um final feliz.

Abro um parêntesis aqui para comentar que até esse ponto todas as informações que tínhamos eram muito preocupantes e todas baseadas no que tínhamos disponível, Informações públicas. Em sua grande maioria, totalmente desfavoráveis

Novas reuniões se deram e cada vez mais ficávamos com a impressão de que a carne sustentável realmente era possível e valia o risco de acreditar.

No Instituto Centro e Vida estava outro grande mestre que tive. O Francisco Beduchi, mais conhecido como Chico, foi incansável em explicar-me inúmeras vezes as diferenças entre a produção no modelo tradicional e o que estavam promovendo no Programa Novo Campo.

As diversas apresentações finalmente faziam eco em minha cabeça de formação em Química Industrial.

Parecia lógico o que planteavam. Reduzir a incerteza de alimentação dos animais e alimentá-los com base a pasto de forma ininterrupta, garantir os nutrientes extras que necessitavam e água a vontade sem ter que ir buscá-la, deixava os animais livres para crescer e chegar a idade do abate em menor tempo.

Outro ponto que me chamava muito a atenção na época era o de que os produtores deveriam pensar como agricultores dado a necessidade de criar o alimento ou pasto para que os animais tivessem nutrientes a vontade para sua conversão em peso.

A base para o que estávamos vendo, vinha de um grande player nacional de desenvolvimento, a Embrapa. O Programa de BPA (Boas Práticas Agropecuárias) foi uma das bases para desenvolver o Programa Novo Campo. Aprendemos rapidamente que carne sustentável se inicia com garantia de alimentação para os animais e práticas de bem-estar animal.

As informações sobre o Programa e a produção de carne sustentável vão se avolumando, todas muito positivas e chega a hora da verdade. Agendamos uma das muitas viagens que faríamos a Alta Floresta-MT, local do Programa e uma das áreas onde ocorreu grande desmatamento no Brasil. Imaginem o desafio que estava a nossa frente.

A primeira visita e que não seria diferente das demais, foi muito positiva, onde tivemos oportunidade de ver ao vivo o que já conhecíamos dos muitos relatórios ou reuniões previas.

O projeto era uma ilha num cenário muito desafiador de desmatamento realizado ao longo de anos. Era também a resposta de que sim é possível restaurar danos do passado, produzir de forma diferente e consequentemente termos a soma das palavras carne + sustentável.

Saímos da primeira visita muito entusiasmados, mas foi o primeiro de muitos desafios a ultrapassar. A visão externa em função de tudo o que escutamos no Brasil, ainda representava um dos maiores desafios a vencer.

O tempo passava e outro grande mestre, esse de forma coletiva foi a participação no GTPS ( Grupo de Trabalho de Pecuária Sustentável ) . Contando com representantes de vários setores da cadeia de valor da produção de carne, era um local onde podíamos conversar sobre os desafios e encontrar soluções.

O Grupo foi pioneiro nesse tipo de associação e serviu de inspiração para todos os demais que surgiram depois em vários países da América do Sul e outros continentes. Carne sustentável deixou de ser um desejo e passou a ser uma realidade.

Como parte do grupo tivemos a oportunidade de discutir os Indicadores para a Pecuária Sustentável e os utilizamos para a compra de carne proveniente do Programa Novo Campo.

Nesse ponto já tínhamos plena confiança de que poderíamos chegar ao objetivo, mas novos capítulos se somariam.

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